domingo, outubro 22, 2017

Crônica de um coração partido

Sentei na mesa, lá vem o garçom. Me entrega o menu sem sorrir, na verdade mal olha para mim, tamanha mecânica do seu movimento. Ele vai embora tal como chegou. Eu inerte. Lá vem meu consciente: olhe as opções, escolha...

Era um domingo, começo da noite, a última vez que havia comido foi no café da manhã, mas eu não tinha fome ou sede, apesar do vazio de dentro que me consumia. Eu sentia dores, das mais variadas. Tinha feito um "pequeno" passeio aquela tarde: do Forte de Copacabana ao Leme. O clima estava típico, calor, umidade, sol forte, pessoas caminhando numa Avenida Atlântica fechada para carros.

Volta o garçom: Seu pedido. (Não foi uma pergunta) Ainda não escolhi - disse. Alguma coisa pra beber? (Então perguntou) Uma água e um copo com gelo, obrigada (Tentei dizer sorrindo, como geralmente fazia, mas minha garganta ardia tanto, tamanha a vontade de chorar que o garçom se apressou em sair) Volto ao menu: Entradas individuais; Entradas para dividir - Ouch! Eu não tinha ninguém com quem dividir...

Andei pela praia até o Forte de Copacabana, e na volta resolvi ir pela rua. Dali a pouco vem um rapaz de bicicleta. Hey, ruiva! Eu não olho pra trás, aperto o passo. Hey, ruiva! Chama ele novamente enquanto tenta manter-se pedalando ao meu lado. Tatuagens maneiras, tô afim de tomar um vinho com você, topa? Eu engoli o sarcasmo (Vinho? Fazendo 35o?) Prefiro cerveja, obrigada! Dou um meio sorriso e volto a olhar pra frente. É, cerveja é mesmo uma ideia melhor - disse - Você é daqui? Não, sou de Minas, mas moro em Brasília. Não conheço Minas, mas já fui pra Brasília, é irado lá, ficá sempre perto dos políticos, tudo arrumado e limpo. Nem tanto - respondi, é uma boa cidade, mas prefiro o Rio. Sorri.

Volta o garçom com minha água, copo, gelo, tira a tampa, serve, já vai pedir? Ainda não. Ele sai.

Sabe o que é - disse ele - eu quero namorar com você! Que sorriso é esse? Eu dou uma gargalhada. Olha só! Quero casar com você, ruiva! Eu me apresso em responder: Não! Não!  Casar não é uma boa ideia!! Porque não? Ele pergunta. Já foi casada pra saber? Já, mas terminei, faz mais de um ano... Ah, mas isso porque não foi comigo, eu nunca ia terminar com você, você ia ser a mulher da minha vida! Engulo seco, a garganta arranha, ainda bem que eu estava de óculos escuros, meus olhos enchem d'água: já ouvi isso antes (duas vezes), não é verdade. Posso te dizer uma coisa, ruiva? Sorte do homem que já te teve, você é muito linda e simpática, tem um sorriso maravilhoso, se fosse eu ia querer te fazer sorrir sempre. Vou te deixar em paz, tchau! Cai uma lágrima.

Porção de batata frita simples. Porção de batata frita especial. Pratos Principais: e lá vou eu pular duas páginas - Carne, Frango, Peixe. Massas: Bolonhesa, Alho e Óleo, Gorgonzola com tomate...

Eu me apresso em voltar para a praia. Precisava de um vento frio no rosto, tentar espantar o choro. Ai. Ai. AI!! Parecia que estava com o peito aberto em carne viva, meu coração batia tão forte que pulsava por todas as extremidades do corpo. Eu sentia dor física de tanta tristeza, mas não podia fazer nada, continuei andando. Desviei de grupos que jogavam futebol na areia, crianças, senhoras que se refrescavam na beira do mar. Eu deixava passos fundos para trás, como se quisesse me enterrar. Sigo pro Leme.

Sobremesas: Especialidade da casa, Petit Gateu, Profiterolis, Pudim de Leite, Sorvete Colegial Simples, Sorvete Top Sundae, Banana Split, Frutas da estação (Consulte o garçom).

Chego no final da praia, tem um sambinha num quiosque rolando solto, as pessoas sorriem, se beijam e abraçam, dançam, estão em festa. Eu saio da praia, sento num banco e começo a tirar a areia dos pés, volto pela calçada oposta, de olho nas placas, precisava voltar para o hotel, precisava chorar. Passo pela rua dele, olho de cumprido, eu podia ir... interfonar, olhar cara a cara: porque você não me quer? Sigo caminho. Vou até a minha rua. Subo. Vários restaurantes e bares, vários cheiros e cores, tudo num borrão, eu já estava chorando, não consegui segurar. Olhei pra baixo, funguei, cocei os olhos como se tivesse entrado alguma coisa, mas na verdade o problema era o que tinha saído...

Escolheu moça? Hummm... não! Qual sua sugestão? Temos um picadinho tradicional da casa - É que eu sou vegetariana - Ah tá, vou deixar você escolher então. Serve o restante da água e vai embora com a garrafinha de plástico. Droga! Eu queria a garrafinha.

Resolvi parar no caminho. Escolhi um restaurante, sentei na mesa da calçada. Sintia dores, variadas, tinha feito uma longa caminhada, de Copacabana ao Leme, mas nem eram as pernas o que mais doía, era por dentro, eram minhas células, eu toda.

Moça, você precisa pedir. Desculpa, o dono já tá desconfiando. Olho pro garçom, tiro os óculos: Um coração inteiro e um café quente pra viagem, por favor!

Nenhum comentário: